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Sindicalismo no Brasil: A luta por direitos trabalhistas na ditadura e na democracia

A história do trabalho no Brasil é profundamente marcada por quatro séculos de escravidão. As conquistas sociais em relação ao trabalho no Brasil, portanto, são tardias porque a industrialização também foi tardia, ainda que muitas revoltas tenham ocorrido durante o período de escravidão. A história do sindicalismo no país está ligada às transformações sociais e econômicas dos últimos anos do século XIX, notadamente, a abolição da escravatura, a proclamação da República e a migração de trabalhadores vindos da Europa para trabalhar no país.


Naquele momento, a economia do país, antes concentrada na produção cafeeira, começa a se voltar para as atividades manufatureiras, surgidas nos centros urbanos e no litoral brasileiro. A abolição da escravidão, substituída pelo trabalho assalariado, atrai um grande número de imigrantes vindos da Europa, que ao chegar se depararam com uma sociedade que oferecia pouquíssimos direitos aos trabalhadores e ainda marcada pelo sistema escravocrata. Estes trabalhadores traziam a experiência de trabalho assalariado e dos direitos trabalhistas já conquistados na Europa, onde as primeiras organizações de trabalhadores surgiram ainda no século XVII.


As primeiras formas de organização foram as sociedades de auxílio-mútuo e de socorro, que objetivavam auxiliar materialmente os operários em períodos mais difíceis. Em seguida, foram criadas as Uniões Operárias, que com a industrialização, passaram a se organizar de acordo com seus diferentes ramos de atividade. Surgia assim o movimento sindical brasileiro. Em 1858, os tipógrafos do Rio de Janeiro organizam o que foi reconhecido como a primeira greve do país. Eles pararam contra as injustiças patronais e reivindicavam aumentos salariais. Em 1906 foi realizado o I Congresso Operário Brasileiro, um marco na organização entre entidades representativas de diferentes categorias de trabalhadores.


Primeiras conquistas


Com as primeiros organizações sindicais, começam a surgir também os primeiros direitos trabalhistas no Brasil. A primeira lei nesse sentido é de 1903. Trata-se do Decreto nº 979, que concedia aos trabalhadores da agricultura e de empresas rurais o direito de se organizarem em sindicatos. Em 1907, o decreto nº 1.637 garante também o direito de sindicalização aos trabalhadores urbanos.


No entanto, junto com as primeiras conquistas, veio também a repressão. Como forma de reprimir o crescimento dos protestos de trabalhadores, em 1907, o Congresso Nacional aprovou a lei Adolfo Gordo. O dispositivo legalizava a expulsão de estrangeiros envolvidos em protestos. Na época, a maioria dos trabalhadores urbanos com participação política era constituída por imigrantes, o que os colocava em posição de fragilidade diante da legislação nacional.


Em 1919 foi promulgada uma lei de proteção a acidentados no trabalho e, em 1923, apareceram as normas para a instituição das caixas de pensão destinadas aos ferroviários. Na mesma época, surge também um dispositivo que buscava disciplinar o emprego de menores de 18 anos. No entanto, na época, o trabalho infantil ainda não era proibido pela Constituição Federal.


As reivindicações mais comuns eram o aumento de salários, a redução de jornada (trabalhava-se de 12 a 16 horas diárias), o fim da exploração de menores e mulheres e a melhoria das condições gerais de trabalho. Na época, não havia legislação social abrangente, vigorava o regulamento de cada fábrica. Esse cenário começa a mudar apenas a partir do ano de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio, no primeiro governo de Getúlio Vargas.


Getúlio Vargas e Trabalho: relações controversas


A Era Vargas é bastante controversa quando o assunto é direitos trabalhistas. Ao mesmo tempo em que, durante esse período, foram conquistados muitos dos direitos que os trabalhadores têm até hoje, houve uma grande restrição na atuação dos sindicatos, base de qualquer avanço nesse campo. Vargas assume o poder em 26 de novembro de 1930, no mesmo ano, ele cria o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio. No entanto, o aumento das lutas operárias e o contexto mundial de regimes totalitário marcou a busca pelo controle dos sindicatos por parte do governo.


O Decreto nº 19.770, de 1931, foi a primeira lei sindical brasileira. Ela estabelecia o controle financeiro pelo Ministério do Trabalho sobre os recursos dos sindicatos, proibindo a utilização destes durante as greves; determinava a participação de delegados do Ministério nas assembleias; proibia o desenvolvimento de atividades políticas e ideológicas dentro dos sindicatos; vetava a filiação a organizações sindicais internacionais; limitava a sindicalização de operários estrangeiros e proibia a sindicalização de funcionários públicos. Mais tarde, já sob o regime do Estado Novo, uma Nova Constituição é Promulgada trazendo novas restrições à atividade sindical ao proibir a realização de greves. Ainda assim, o período do getulismo foi marcado por intensas greves de trabalhadores e pela crescente luta sindical. Nos anos 40, o movimento volta a ganhar forças, mesmo com as medidas restritivas impostas por Vargas.


Por outro lado, durante o período em que Vargas esteve no poder, foram conquistados muitos direitos trabalhistas. Em 1933, foi aprovada a concessão de férias anuais aos trabalhadores de comércio e bancos. Nesse período também se inicia a montagem da previdência social, com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), e se proíbe o trabalho para crianças menores de doze anos. Em 1934 uma nova Constituição Federal foi aprovada. Ela previa direitos trabalhistas como salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas, repouso semanal, férias remuneradas e assistência médica e sanitária. Em 1935, uma nova lei garantia a estabilidade no emprego, estipulando indenização aos assalariados demitidos sem justa causa.


Em 1943, no dia 1º de maio, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sistematizando todo o conjunto de leis, decretos e normas existentes sobre os direitos do trabalhador, a organização sindical e a Justiça do Trabalho. A CLT é um marco do estabelecimento de uma lei trabalhista clara e protetiva no Brasil e responsável por regulamentar as leis trabalhistas e processo do trabalho. Leis posteriores garantiriam também 13º salário, repouso semanal remunerado e outras conquistas. Contudo, não apenas com conquistas se conta a história dos direitos trabalhistas no Brasil*. Recentemente, os trabalhadores viram retroceder muitos desses direitos. É o caso do que foi determinado pela Lei da Terceirização, de 2017, que permitiu a terceirização das atividades-fim, e da Reforma Trabalhista, do mesmo ano, que instituiu a figura do trabalho intermitente e a prevalência do “acordado sobre o legislado” em alguns temas.


Dos anos 60 à redemocratização: ataques na ditadura e na democracia


É durante os anos 1960 que a luta sindical atinge seu ápice, com imensas manifestações grevistas e a realização do III Congresso Sindical Nacional, quando foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). No campo, as lutas também se intensificavam com a criação das ligas camponesas, ainda em 1955, com o florescimento de sindicatos rurais, lutando para garantir direitos também para os trabalhadores do campo.


No entanto, o crescimento do movimento sindical é interrompido com o Golpe Militar de 1964, quando o movimento dos trabalhadores volta a ser perseguido e controlado pelo Estado. Somente no fim dos anos 1970 os sindicatos voltam a se fortalecer quando retomam as greves em diversas fábricas no estado de São Paulo. A motivação das greves foi a reposição de índices de inflação que vinham sendo mascarados pelo governo, o que gerou grandes perdas salariais. A manobra foi denunciada pelo Banco Mundial em 1977, o que despertou a revolta dos trabalhadores. A jornada de luta nos anos 1970 inseriu novamente o movimento operário no cenário político, econômico e social brasileiro, levando a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983.


Desde então, outras centrais sindicais já foram criadas. A maior delas ainda é a CUT, seguida pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). A livre associação ainda é um direito garantido aos trabalhadores dos setores público e privado. No entanto, mesmo após a redemocratização, as tentativas de aparelhamento e enfraquecimento dos sindicatos seguem sendo praticadas por governantes. A Reforma Trabalhista, de Michel Temer (MDB), acabou com a contribuição anual obrigatória do valor equivalente a um dia de trabalho, fazendo a arrecadação sindical cair 86% no primeiro ano de vigência da medida, de acordo com informações da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Já Jair Bolsonaro (sem partido) havia editado, em 2019, a Medida Provisória 873/19, que proibia o desconto da contribuição facultativa ao sindicato na folha salarial com autorização do trabalhador.


O trabalho e o sindicalismo no Brasil são temas que envolvem grandes interesses e, portanto, grandes e contínuos confrontos. O pêndulo da história está constantemente em disputa, de um lado, pelo capital; de outro, pelo trabalho; daí a necessidade de os trabalhadores se manterem organizados e com representações fortalecidas.


*O tema dos direitos do trabalho no Brasil e sobre a atuação sindical no contexto atual ainda serão aprofundados ao longo das reportagens e entrevistas da campanha.


Fontes:

1. Alfonso Orlandi - História do sindicalismo no Brasil

2. Gilberto Maringoni - A longa jornada dos direitos trabalhistas

3. Isabela Souza - Como Surgiram os Sindicatos?



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